espaço vital

26, novembro 26-03:00 2007 às 7:58 pm | Publicado em histórias verídicas que realmente aconteceram | 12 Comentários

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Uma tarde dessas, voltava do trabalho pedalando pelas ruas de Curitiba. Com a minha Caloi 10, em sua marcha mais leve, subia uma ladeira íngreme ao lado direito da pista. Nas subidas é comum (e esperado) que os carros ultrapassem a bicicleta com uma velocidade evidentemente superior. No entanto, um automóvel com velocidade muito mais alta do que a comum (e esperada) me ultrapassou guardando uma distância de alguns poucos centímetros. Por pouco, muito pouco, não me desequilibro e não sou arremessado contra os carros estacionados ao meu lado.

No calor da emoção, veio uma vontade de xingar o motorista. Mas de nada adiantava: embora estivesse dirigindo uma Mercedes Bens conversível com o capô aberto, sua velocidade não permitiria a audição do meu grito lá de trás.

Continuei pedalando, devagar e sempre. Acompanhei visualmente o percurso do meu quase assassino. Ao chegar no final da subida, ele passou no sinal amarelo e virou à direita. Nisto percebeu que havia entrado na contra mão e, dando ré, voltou à rua em que estava. Agora ficou aguardando no sinal vermelho. A esta altura eu já havia o alcançado e tinha, agora sim, a oportunidade de xingá-lo.

Mas lembrei do conceito de assertividade e resolvi colocá-lo em prática. Me aproximei e parei a bicicleta ao seu lado. Era um senhor com os cabelos grisalhos, vestido com roupa social. Sorrindo e olhando nos seus olhos, comprimentei-o:

– Boa Tarde!

Ele assentiu com a cabeça e respondeu baixinho. Sem mais delongas e em um tom de voz bastante pacífico, continuei:

– O senhor percebeu que quase me matou lá atrás? De repente, na ultrapassagem o senhor poderia dar um espaço maior para o ciclista.

– E por um acaso você é o dono da rua?!!

– Não sou e nem é o senhor. O Código de Trânsito coloca a bicicleta como um veículo como qualquer outro. O senhor conhece o Código de Trânsito?

– …

– Dê uma olhada lá no artigo 201: ele diz que o motorista deve guardar uma distância de pelo menos um metro e meio ao ultrapassar um ciclista. E no artigo 220 diz que o carro deve diminuir a velocidade ao se aproximar da bicicleta. Artigo 201 e 220, dá uma procurada que o senhor vai encontrar o que estou lhe dizendo.

Visivelmente agitado e inquieto frente ao meu tom tranqüilo e didático, o motorista esperava o sinal abrir, olhava para os lados, para dentro e para fora do seu carro e, sem saber o que fazer e, sem argumento algum, fez o que eu sinceramente não esperava. Ele fechou os vidros! Em um carro conversível com o capô aberto! E ficou olhando sério para a frente, balançando a perna nervosamente.

O sinal abriu e ele foi embora. E eu fiquei rindo sozinho, pensando comigo mesmo que aquele tinha sido o dia em que uma Caloi 10 atropelou uma Mercedes.

12 Comentários »

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  1. Ótimo, ótimo texto!!!! A tua explanação foi linda! “Combateu” a agressividade com uma boa dose de assertividade.

    Senti-me tão bem ao ler o texto.

    Espero que teu espaço vital seja mais respeitados nas próximas pedaladas…

    beijos

  2. Muito bom!! Será que o cara era paulista? (heheh brincadeira)

    O engraçado é a reação das pessoas, quando você as trata civilizadamente. Como se a única situação possível, em um encontro fortuito desses, fosse a do conflito.

    abração,

  3. Mandou bem demais! Vou até memorizar essas leis.
    E, respondendo ao Catatau, provavelmente era paulista sim. Somos um povo mal educado. hehehe
    Abraço.

  4. a janela do carro, nosso mundinho de crinça mimada: fora tudo que incomoda, que faz pensar, que dá trabalho, que me tira do meu mundo particular, fora a pobreza do pedinte, fora a bala do vendedor, fora o panfleto do entregador, fora as leis de trânsito do ciclista.

    essa cena das janelas do conversível fechadas é realmente a imagem de uma doença

    muito bom o desenho

    abraço!

  5. Depois de ler este teu relato, senti-me mais leve. Só preciso aprender a ficar calmo, como você.

    Renato

  6. Genial, simplesmente genial.

    Adoro essas provocações bem humoradas que quebram o ciclo de agressividade crescente no trânsito.

    abs

  7. Opa, só para esclarecer o Robson: acho interessante como o ”espaço vital” dos paulistas é muito menor do que de várias outras regiões, daí a observação, rssss (mas isso se resume a um juízo subjetivo)

  8. Anderson, é bom estar de volta, vindo do http://www.varejototal.zip.net, navegando no MEANDROS. Este negócio de citar os artigos do Código de Trânsito assim, de sopetão, está me lembrando de uma famosa história, verídica também, envolvendo grande ex-governador do Rio, o Carlos Lacerda, um dos mais extraordinários oradores do Brasil. Muitos anos atrás, em um de seus contumazes discursos inflamados, sendo constantemente aparteado por um adversário, Lacerda parou de repente, olhou fixo para seu desafeto e esbravejou: -A posição que V.Excelência defende agora é bem diferente do que o nobre deputado falou para este jornal, que tenho em mãos, de exatamente dois meses atrás. Dito isto, acenou com um jornal, apontando dedo em riste para uma matéria. Então, prosseguiu sua fala sem mais interrupções. Ao final da plenária, Lacerda, esquecido, largou o jornal na bancada. Colegas correram para ver a reportagem mencionada e constataram, surpresos, que o jornal era o daquela mesma manhã.
    Isto é que é improviso, certo?
    Abraço, Edu

  9. Cara, você teve muito sangue frio, esse é o mais certo a se fazer, mas eu teria partido para a agressão verbal e talvez até agressão física, perdendo a razão, é muito dificil manter essa calma nessas situações, preciso aprender a controlar minha raiva.

    Parabéns.

  10. É muito bom quando podemos dar uma resposta de qualidade a quem merece!
    Adorei o texto!

  11. Mais parece que você ficou tão indignado com a situação que inventou o final feliz ^^. Até a parte da ultrapassagem parece um conto verídico, só memso uma criança para não notar isso. Indícios de fantasia : O carro ser mercedes, o senhor grisalho do carro fechar o vidro e ficar sem resposta, dentre outros. Na VIDA REAL, tenha mais cuidado ao andar de bicicleta.

  12. Carlos, eu posso inventar muita coisa em outras seções do blogue, mas esta seção se chama “histórias verídicas QUE REALMENTE ACONTECERAM”!

    Eita, povo incrédulo!!!


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